Benjamim Shepherd em seu artigo Thinking Critically About Food Security expõe que a temática sobre a Fome tem sido escassa nas agendas de discussões de teóricos de Segurança. Segundo o autor, a visão estatocêntrica de algumas análises sobre Segurança e a limitação apresentada tanto pela ampla quanto pela estreita conceituação de Segurança Humana, têm minado a capacidade de conceber a Fome como um problema de (in)segurança estatal e internacional (Shepherd, 2012).
Shepherd destaca que apesar das diferentes
visões sobre o que deve ser classificado ou não como um problema de segurança,
o expressivo número de pessoas que passam Fome no mundo - em torno de 870
milhões de pessoas atualmente[1] - nos impele à elencar
no mínimo cinco - das quais destacarei quatro - razões pelas quais a Fome merece
receber maior atenção dos estudiosos de Segurança: Em primeiro lugar a Fome, sendo a privação de alimentos é tanto uma ameaça à vida quanto uma
grande fonte de dano físico. As 870 milhões de pessoas que segundo o WFP (World Food Programme) não possuem acesso diário a uma
alimentação adequada, correm o risco de morrerem prematuramente. Além
disso, possuem menos resistência a doenças, têm o desenvolvimento cognitivo e físico
de seus filhos comprometido, sendo portanto seres
humanos limitados. Todos esses impasses tornam evidente que mesmo que os teóricos centrais de
Segurança não considerem a Fome um problema a ser tratado nesse âmbito, ela não
deixa de ser uma ameaça existencial e real para os milhões de pessoas que sofrem com essa situação (2012:199).
Em segundo lugar: se os teóricos de Segurança (elite) e os políticos que implementam as estratégias de Segurança permitirem que as pessoas
continuem sendo lesadas fisicamente pela Fome, eles estarão falhando em cumprir
o papel que eles se auto-atribuíram de garantidores e protetores da Segurança - no caso do Estado já estaria
intrinsicamente ligada a sua função, garantir a segurança dos cidadãos (Shepherd,
2012:199). Percebe-se nos argumentos de Shepherd uma visão pessimista daqueles que ele
chama 'a elite'. Os constituintes dessa elite seriam os tradicionais estudiosos
de Segurança e subsidiadores de políticas públicas que muitas vezes por possuírem uma visão fechada e
egoísta da realidade, perpetuariam as inseguranças sociais.
Em terceiro lugar: a
Fome é um possível antecedente de conflitos, nesse caso se as pressões causadas
por ela fossem mitigadas poderiam diminuir consequentemente os riscos de
conflitos pela privação alimentar e violências políticas associadas a esta. Por fim, a Fome generalizada é
um claro indicador da falta de capacidade tanto de indivíduos quanto de alguns
Estados de carregarem esse fardo, desse modo se pautasse as agendas sobre promoção de Segurança, facilitaria-se a promoção
de ajuda aos Estados e indivíduos que padecem dela (Shepherd,
2012:199). Pode-se ressaltar nesse
último caso a importância da Ajuda Alimentar Internacional que em grande parte, concede a países que não possuem condições de
sanar a Fome internamente, uma melhor condição de resolver este problema.
Shepherd explana que se analisássemos a questão
da Segurança nos termos que os Critical Securities Studies como Ken Booth analisam, a Fome teria maior pauta na
discussão sobre Segurança. Ken Booth assim como outros autores dessa
corrente ligada a Teoria Crítica propõe uma
visão mais ampla e aprofundada sobre os atores e questões que devem
adentrar o debate sobre
Segurança.
Como coloca
Rafael Villa em seu texto Segurança
Internacional e Normatividade: é o Liberalismo o elo perdido dos Crtitical Securities Studies? Ken Booth propõe dois conceitos para
explanar seus argumentos: Deepening e Broadening, aprofundamento e abrangência
respectivamente. "Através do aprofundamento, propõe-se a uma revisão
das concepções tradicionais da segurança que aponte em três direções: desde o
ponto de vista ontológico, a crítica da soberania estatal como exclusivo
referente da segurança; na perspectiva epistemológica, a resistência em aceitar
a metodologia naturalista como critério de verdade - isto é, aceitar que os problemas de segurança
são naturalmente assim, e não que foram concebidos como tal" (Villa,
2008:101). Em relação à abrangência, Booth intenta “[...] Expandir a agenda de
estudos de segurança além da até então militarizada e estatista ortodoxia" (Villa,
2008:102).
Como explicita Booth "os Críticos do Estudo de
Segurança não pretendem tornar todo problema político uma questão de segurança,
mas pelo contrário, pretendem tornar toda questão de segurança uma questão de
política" (Booth, 2004, apud, Villa,
2008:102). Esse fundamento dos Críticos do Estudo de Segurança
suportam os argumentos de Shepherd sobre a necessidade de se conceber a
Fome como um problema de segurança. Pois a Segurança Alimentar na visão boothiana deve empreender destaque nas políticas
de Segurança assim como outros temas, já que a análise deve ser feita
sobre quais ameaças - sejam elas de qualquer gênero - sofrem as pessoas diariamente ao redor
do mundo, em detrimento de se manter a mesma visão tradicional da segurança
como algo restrito ao Estado.
Referências:
SHEPHERD, Benjamim. Thinking Critically about Food Security. Security Dialogue, v.43,
n.3, p. 195-212, 2012.
VILLA, Rafael Duarte. Segurança Internacional e
normatividade: é o liberalismo o elo perdido dos critical securities studies? Lua Nova: Revista de Cultura e Política. São
Paulo, v. 73, p. 95-122, 2008.
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